quarentena

há pouco mais de dois meses me descobri com depressão.

eu, logo eu, tão feliz, tão completa. tudo que eu queria nas mãos, ao lado. família com saúde, filha perfeita, marido, casa, trabalho, carro, amigos. tão feliz! mas depressiva. despertador tocava e o coração acelerava num ritmo que parecia explosão cardíaca. só quem já teve sabe - um frio que subia da garganta pra barriga, da garganta pra barriga. rezei para todos os santos, apelei para todas as crenças, mas no fim o que me salvou foi a fluoxetina. uma vez por dia. mas demorou pra começar a fazer efeito.

e nesse tempo eu fui encontrando as razões pra tal da depressão, a psiquiatra me disse, ela não nasce sem motivo. depressão é colocar tudo pra debaixo do tapete, até que tem uma hora que não cabe mais. umas ondas começam a se formar e mesmo quem tá de fora passa a perceber, você não tem pra onde correr, tá ali. tem que tirar tudo pra voltar ao normal. e você já limpou sujeira que vai pra debaixo do tapete? dá um trabalho. levanta daqui, coloca pra lá, pega vassoura, pá. muitas vezes uma mão amiga ajuda. ainda bem que contei com tantas delas.

só que enquanto a fluoxetina não lançava seus efeitos no meu cérebro eu comecei a entender que eu gostava de tudo aquilo mesmo e tinha tudo aquilo mesmo, mas eu tinha me perdido de mim. pouco restava de espaço pra pessoa que sempre fui, todas aquelas coisas que eu tanto amava me consumiam num tanto, me invadiam por todos os minutos e eu me via à noite com um kindle na mão e os olhos caindo de sono, rezando pra conseguir ler só mais um por cento, um por cento completo que fosse daquele livro. um por cento do dia pra mim. 

tudo que eu queria, descobri, era tempo. sem filho, sem marido, sem trabalho, casa, família. um tempo meu. queria que o tempo parasse um pouquinho, que tudo ao meu redor congelasse por alguns minutinhos, algumas horas talvez, seria pedir muito? eu não queria nem sair de casa, só poder ler, escrever, assistir filme, fazer minha própria unha, botar máscara de beleza na cara, comer brigadeiro assistindo grey's anatomy. 

cuidado com o que você deseja, alguém disse certa vez. o mundo lá fora parou. nada de trabalho, férias antecipadas. quarentena. fique aí no seu mundinho, alguém está rindo de mim lá em cima. tá aí, você não queria tempo. desejo concedido. e quanto ao resto? ler, escrever, assistir, brigadeiro? ouço a risada ainda mais longa enquanto escuto - aí já é querer demais né, minha filha?


Comentários

Paola Guaraná disse…
O mundo parou. Não se aí, mas aqui dentro do meu mundo esra tudo mais agitado do que nunca.

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