quarentena - parte II

estou me redescobrindo nesse tempo. 

a análise, bem sei, também tem feito com que isso aconteça com mais intensidade. isso e o fato de ter tempo para pensar. não porque eu de fato o tenha - as mães dessa quarentena bem sabem do que estou falando - mas porque consigo deixar que os meus pensamentos fluam enquanto vejo minha pequena brincar com a peppa pig. ou enquanto ela come. e corre. e quando finalmente dorme. 

este seria um post sobre mim, mas acabará se misturando com ela, novamente. não consigo fugir disso, faz parte de mim já e há saudade pela menina que fui, mas como minha analista muito bem me mostrou, tenho um apego com o passado, seguro firme, não quero deixar ir. tem que ir. na verdade, na maior parte do tempo já foi. 

ser mãe dela acabou sendo muito mais desafiador do que eu imaginava. antes ouvi muito por aí que toda mulher nasce para ser mãe. tão errado! toda mulher tem que aprender a ser mãe, a morrer um pouquinho e chorar o luto de nunca mais ser quem foi enquanto contempla o crescimento da vida mais importante a partir daquele momento - e essa vida não é mais a sua, que fique claro.

não passamos tanto tempo juntas desde a licença maternidade. ela tem feito birras, esperneia, se joga no chão. grita e até me bate. eu sempre sonhei com uma filha, nunca pensei que ela seria assim. a gente só percebe a expectativa que cria quando é quebrada, pois quando a alcançamos deixamos passar batido. estou nos meus devaneios, seguindo meu fluxo de pensamento, desculpa se está difícil de acompanhar. 

continuando, ela me desafia. e me desmonta em um segundo com aquele olhar. são tempos difíceis esses, ela também está em quarentena e a mudança pra ela ainda foi maior que a de todo mundo - espaço, rotina, lugar. ela está se (re)encontrando e eu também. então não brigo mais enquanto ela briga com o sono. fico de pé enquanto ela corre no corredor. ou sentada enquanto brinca com os dinossauros. quase dormindo enquanto ela luta para não fechar os olhos no colo da minha mãe. 

fico exausta, rezo pra ela dormir e quando ela dorme, muitas vezes quero que ela acorde. vou ter que aprender a lidar com sua independência, sua autonomia. tanta coisa que eu vim sem e pelejo pra aprender. será que também ensinei tanta coisa assim tão rápido pra minha mãe. e então, no meio deste pensamento e no meio da noite, ela me procura e coloca as mãozinhas na minha boca. meu coração transborda amor: "estou aqui, filha, estou aqui". tanta mãe boba que não deixa dormir junto. ela que fique até os 21. 

eu fiquei. até quase os 27, acordando de final de semana e indo pra cama da mãe. encontrando naquele abraço, naqueles travesseiros um canto tão meu, tão nosso, falando sobre tudo e sobre nada. encontrando naquela mulher que tenho a honra de chamar de mãe, uma super-heroína. e eu espero que minha filha tenha a mesma sorte que eu. que descubra aos 30 que super-heroínas também falham, erram, choram, se desesperam. mas nunca deixam de ser mães. 

que esse ciclo nunca se quebre. só evolua. deixa ir, não tenta ter controle. você não tem. 


Comentários

Flávia. disse…
A maioria das mães é realmente tudo o que dizem, fazendo tudo o que disseram que não fariam. Sendo tudo aquilo que disseram que não seriam rs. Mas cada uma com seu aprendizado. ;)
Flávia. disse…
Tentei te seguir aqui, mas acho que não tem essa opção.

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