vínculo

eu nunca soube que a amamentação seria tão dolorosa. 

o mais perto que cheguei disso foi quando, ao chegar no hospital para visitar minhas primas (a que nascia como filha e a que nascia como mãe), vi em seus olhos lágrimas escorrerem enquanto a pecurrucha abocanhava seu sustento. por muito tempo até esqueci dessa cena. joguei no fundo da memória.

pois foi no próprio hospital quando eu também nascia como mãe enquanto minha pequena acabava de chegar ao mundo que aquela imagem voltou com força. "tá doendo bastante, enfermeira". "é assim mesmo, passa, moça". "quando?". "passa a pomadinha e aguenta firme". e eu aguentei. entendo completamente as mães que não conseguiram ou por falta de leite ou pela dor. o governo incentiva a amamentação de quando em vez, mas pouco se fala dos desafios que ela traz. 

aquilo no hospital foi só uma prévia do que estava por vir, o aperitivo da dor. chegando em casa, apelei para tudo. pomada, concha, rosquinha, bico de silicone, pano quente, pano frio, gelo e reza. chorava junto da minha bebê a cada vez que ela vinha mamar. ela precisava comer e eu precisaria aguentar a dor. não foi fácil. pra falar a verdade, acho que foi meu maior desafio na maternidade todinha (até aqui) do qual, naturalmente, me orgulho muito. 

e então essa semana ela não quis mais. ela foi diminuindo aos poucos a quantidade, se distraindo com mais facilidade e meu olhar atento de mãe já percebendo o que estava prestes a acontecer. eu ainda tinha leite, mas ela já não o queria daquela forma. talvez tenha sido a mamadeira que se tornou mais constante com a minha volta ao trabalho, ou talvez um traço da sua personalidade, vai saber. de que interessa? o que interessa é que dessa vez eu chorei de novo, pois se tem uma coisa que entendi sobre a maternidade é que ela vem à flor da pele. 

não pensei no vinho que me seria permitido, não pensei nas blusas que eu poderia escolher sem a limitação do botão, não pensei na independência que eu criaria nos eventos quando alguém mais poderia fazer aquilo por mim. só pensei que lá se ia mais uma fase. que minha pequena está crescendo. que aquele vínculo havia sido quebrado. 

e então, antes de dormir esses dias, enquanto eu lhe dava a mamadeira da noite, ela me olhou bem fundo e pegou no meu rosto assim como fazia enquanto eu amamentava. deu um sorrisinho babado de leite. segurou meu dedo com a mão. me ensinou que nosso vínculo não é do tipo que quebra. mãe e filha? esse não. 

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