não sou leve
tem gente que é leve o tempo todo né?
tenho colegas - ia escrever "amigas", mas após breve consulta ao michaelis do uol descobri que não é muito pertinente chamá-las por esse adjetivo - que são leves 100% do tempo. ou 99%, que seja. olha, que elas sejam leves 70% do tempo, ainda estão em vantagem gigantesca. riem fácil. acham graça de piadas toscas, bebem até cair e encontram naqueles goles de cerveja ou tragada da danada uma alegria que eu nunca encontrei. esclarecimento: nunca fumei maconha, mas me parece uma alegria meio produzida, sabe? por mais natural que insistam em rotulá-la, pra mim é das alegrias mais industrializadas. "hã, hoje vou fumar, ficar feliz, vou ficar de boa." dã. vai dizer que não é felicidade artificial?
enfim, que seja artificial, é um preço que pago por escolher estar sóbria 99,99% do tempo. eu vejo tudo. vejo os olhos do meu aluno do oitavo ano caídos ao perceber que uma mãe omissa não enxerga metade do que ele é. vejo aquela menininha linda puxando uma mala velha num corpinho tão jovem, tão sozinha na rua, indo não sei onde de não sei onde. vejo meu noivo ser passado pra trás por um filho da puta, tomando seu tempo, seu sossego e quase dez mil reais. vejo minha diretora, sempre tão pra cima - e tão alheia! - se emocionar ao pensar que já foi jovem e que isso foi há muito tempo e que hoje as rugas a maltratam muito mais que a mocinha de 30 anos poderia imaginar. eu me vejo no espelho, uma família linda, dois bons empregos, uma aliança de ouro na mão direita e então entendo que as vezes me parece errado ser tão feliz.
uma grande amiga - essa eu encho o peito para escrever, podia até colocar em letra maiúscula - em uma das nossas últimas grandes filosofadas em conjunto, me disse que aquela música da sandy, abri os olhos, diz muito de quem somos. "abri os olhos, não consigo mais fechar, assisto em silêncio, até o que eu não quero enxergar". esta sou eu. há quem me entenda no mundo. quem enxergue seu peso, quem sinta suas cicatrizes, quem deixe as emoções tomarem o corpo. cazuza entendia, mas morreu e apesar da genialidade tenho a sensação de que era um idiota como ser humano, apesar de tão incrível como artista. maria ribeiro é uma das que mais se aproxima do meu modo de ver o mundo. ela sempre foi uma das minhas favoritas em saia justa e comprei ainda hoje seu trinta e oito e meio na amazon e já devorei mais da metade. ela é pesadinha como eu, dando vazão àsao suas insegurança, suas falhas, seus medos, suas admirações. talvez seja um pouco perturbada e mais ainda do que eu, pois faz análise duas vezes por semana há doze anos e eu mandei minha terceira terapeuta para a cucuia há meses. ou apenas seja mais rica, não sei.
o fato é: não sou leve. não posso me comprometer a ser se isso é colocar o cabresto nos meus olhos. a ignorância pode ser de fato uma benção um milhão de vezes, mas eu (ainda acho) que prefiro morrer sabendo. até porque, um pouquinho de peso faz com que você não precise tragar maconha pra achar felicidade com data, hora e local, mas te faz perceber aquelas duas crianças rindo gostoso no pátio da escola, aquele menino de 15 anos cantando baixinho"hold back the river" no ouvido da menina da frente e aquele casal de idosos no shopping andando de mãos dadas enquanto compartilham um sorvete. acho que é isso. sou pesadinha, mas acho que é um peso de conteúdo, um peso que eu meço por poder ver. dá até pra soltar a linha e voar feito balão pelas nuvens por aí - mas tenho uma âncora sempre fincada ao chão. o preço eu pago diariamente, quando me olho no espelho, quando a minha balança interior mede meu peso, quando uma colega me oferece: "para um pouco seu mundo, vamos descer" e eu não hesito antes de responder... absolutamente, não.
Comentários
Boa noite, bjos.
desculpa pelo texto como comentário .-.
ps: respondi seu comentário lá no blog ;)
bjs
Beijos! =**
Mas, como a pessoa super realista e pé no chão que sou, super entendo o que você quis dizer com o (belíssimo)texto.
Beijo, beijo. :*
Beijos.
bjs
Beijinhos!