nua
eu sempre disse que você nunca foi só você.
que existia alguma coisa muito esquisita que fazia com que comigo você fosse um, com os seus amigos outro, com a sua família, outro ainda. penso que dentre todos os defeitos angulosos - e cito aqui o fato de ser um grande mentiroso e o maior egoísta que já conheci - este é o que sempre mais me perturbou. a falta de identidade. a não certeza de quem eu encontraria na manhã seguinte, o meu doce amante, o piadista da família ou o grande malandro. isso me fazia questionar se eu de fato amava alguém ou simplesmente uma representação. me fazia questionar quem você realmente era e me incomodava chegar a conclusão de que provavelmente ninguém. ou pelo menos, nenhum daqueles. isso me desconstruía o amor, me fazia perguntar o que eu sentia por você, pois não se ama aquilo que não se conhece. e eu, Deus bem sabe, amava você.
o tempo passou e eu estava certo dia antes de dormir pensando em mim e na minha evolução. contente com os avanços contrários a você que eu andava fazendo, sentindo a felicidade pulsar com uma intensidade boa aqui na cabeça, dizendo: "ei, menina, parabéns! você encontrou o caminho para ser mulher." e foi num instante antes de eu fechar os olhos, segundos antes de dormir, que eu vi toda a minha identidade desmoronar. porque ao contrário do que eu venho afirmando para os outros com tanta certeza, muito diferente do que meu cérebro tem me feito repetir, eu não te esqueci. o fato de eu prometer a mim mesma não deixar escapar menção sua em uma conversa não anula o fato de eu pensar em você durante cada uma delas. e dizer que te esqueci é só mais uma forma desesperada de te fazer presente. eu posso não ser uma grande filha da puta mentirosa, e nem de longe me acho egoísta, mas não poderei nunca mais dizer que sou um modelo de identidade.
talvez eu não seja uma flávia em cada rodinha de conversa, e consiga realmente manter uma linha que é coesa com todas as demais amarras, bonitinha, como deve ser. mas eu nunca sou eu por inteira. tem sempre um lado oculto, um mecanismo de defesa imperturbável que não deixa nada desse lado meu - que é seu - escapulir. e se isso pode parecer uma falha de caráter, aos meus olhos agora só funciona como uma força descomunal que de certa forma, pasme, me dá até certo orgulho.
não quero fazer disso uma desculpa para mostrar como somos parecidos: "ei, olha, eu também tenho o mesmo defeito que o seu." até porque, não há nada que me aproxime mais de você do que nossas diferenças. mas é que de fato, eu entendi o porque a gente não se desliga, porque é que esse laço tão nó não se desfaz, ainda que feito em corda tão puída. pois são naqueles olhares mudos, quando a luz se apaga e quando tiramos não só a roupa, mas também a máscara, que nos revelamos. que podemos ser nós mesmos. um homem de vinte e seis anos completamente perdido e uma menina de vinte e quatro totalmente despedaçada. é ali naquele silêncio só perturbado por suspiros e beijos e arrepios e carinhos e tanto amor que nós confessamos nosso maior pecado: somos infelizes. e por alguns minutos, ou quando a sorte nos presentear com horas, é que podemos nos ver livres de tudo aquilo que nos traz tais sentimentos e poder ser quem somos e não o que queremos - ou o que querem de nós. ali somos nós mesmos. eu e você. e quem poderia dizer que nesses instantes não somos felizes?
Comentários
Beijo nocê :*
:)
Beijo!
beijos!