minhoca de metal
estava um calor infernal quando ele entrou cantando.
mais uma coisa pra me tirar do sério, pensei. já não me basta o calor, já não me basta o casal de adolescentes se beijando sem pudor ao meu lado e o bando de gente mal educada, ainda tenho que aturar um louco cantando às seis horas da tarde de uma sexta feira. percebi um tumulto na entrada do vagão e quando as portas se fecharam eu me perguntei que desafiávamos a física com a quantidade de pessoas que dividiam o metro cúbico. e o moço: o espaço é curto, quase um curral. no balanço do para-e-vai do metrô um senhor de calça surrada e unhas de graxa se equilibra não sei de que maneira enquanto conta as moedinhas de uma mão pra outra. e o moço: o troco é pouco, é quase nada. o troco é pouco, é quase nada... comecei a achar a voz dele bonita. uma menina maquiada reclama da trombada que leva do cara tatuado e ele ri junto ao moço de terno, numa intimidade recém adquirida enquanto falam "quer conforto, paga um táxi". e o moço: não se anda por onde gosta mas por aqui não tem jeito, todo mundo se encosta. já estou completamente apaixonada pelo moço cantando. o metrô para, as luzes se apagam e o calor fica ainda mais insuportável. só restou a voz do moço, a melodia afiada, e todo mundo olhando, encantados como eu. o casal parou de se beijar, o senhor guardou as moedas, a moça bonita comum e normal, o tatuado e o de terno e o vagão todo se achando mais um do Brasil da central. ali, na minhoca de metal. e o moço: como um concorde apressado, cheio de força, voa voa mais pesado que o avião, o avião, o avião do trabalhador. o nosso avião, penso. e quando vejo, estou entoando o refrão com todo o vagão, me sentindo tão forte e frágil. ôôô ô. my brother.
demorou, mas rolou gente. este post faz parte do letra e som e foi inspirado na música cheia de força do rappa, rodo cotidiano. cheia de versos lindos e duros, como a vida do trabalhador brasileiro.
Comentários
Como sempre, arrasa com as palavras.
O seu texto ficou super visual e musical. Dava até pra ser um curta-metragem!
Bjos
Imaginei meu dia a dia no metrô de São Paulo, ou melhor, da "minhoca de metal".
um beijo.
amo vc
Sabe, eu era apaixonada por blogs, criei os meus e os abandonei, junto com minha paixão por blogs e música. Retomei minha paixão, e ler as suas palavras me fez lembrar o porque de eu gostar tanto de ler os textos e pensamentos de outros.
Voltarei por aqui.
E esse texto? Ficou belíssimo, de um jeito musical delicioso de ler!
Parabéns!
Amei :)
Bjs
Aline
http://www.alinenetto.com.br