eu quis te dizer mas não disse
sonhei que seu pai morria.
era o velório dele, você acredita? e eu não conseguia imaginar, não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. eu dirigia o carro e pensava: putaqueopariu eu desfilando nesse carro vermelho, que vergonha, quevergonha, todo mundo de luto e eu de carro vermelho. fazendo anotação pra da próxima vez acabar escolhendo um preto. você tinha os olhos inchados e chorava, as bochechas rosadas. tão lindo, todo de preto, encapotado. você sempre ficou lindo de preto, mas a verdade é que minha opinião deveria ser nula, eu sempre babei em você de qualquer jeito. e então você estava acompanhado e eu era uma semi-intrusa naquele lugar, não ocupava mais o lugar de nora, eu era uma outra. talvez uma outra qualquer. e no meio do sonho isso me incomodou, porque naquela realidade aquilo era normal, mas para mim isso nunca será. mesmo quando eu estou dormindo e meu (in)consciente me leva, eu tenho essa posse absurda de maluca por você. mas então você me via e vinha correndo deixando a moça sem rosto e sem gosto lá aos pés do caixão. você sorria pra mim enquanto a lágrima caía e a dor que eu senti foi real, no sonho e aqui. eu quis te levar pra casa e antes que eu pudesse te perguntar você me pediu "me leva embora daqui?".
eu não vi mais ninguém, eu não cheguei a ver seu pai mas sei que era ele ali. e enquanto eu dirigia e alguns fios de cabelo me caíam no rosto (meu consciente foi fraco nesse aspecto, acho que eu nunca iria com aquele coque desmanchado) eu pensava, meu Deus tão jovem, como você foi tirar ele daqui? e eu não sei se o "ele" que eu pensava era seu pai ou você. e aí enquanto eu dirigia você colocava a mão em cima da minha enquanto eu trocava de marcha e eu já não sabia pra que casa que eu te levava e então parei numa praça e pulei pro banco de trás. você veio junto, deitou no meu colo enquanto eu ninava aquela música e chorava lágrimas de tristeza e silêncio profundo, você apertando minha outra mão. foi um sonho horrível um pesadelo dos ruins, mas a pior parte, olha que egoísmo o meu, foi achar que eu não era mais sua. e a melhor parte, adivinha, foi perceber que de qualquer forma, no fim eu era sua, e você era meu. foi perceber que em todas as camadas de mim (derme, epiderme, alma, corpo, espírito, consciente, inconsciente) eu te amo pra valer.
Comentários
que coisa mais dolorida, mas sentida...
Mas esse final foi maravilhoso! E é real! Beijos! <3
Que lindo Flá! Fiquei até sem palavras. Achei tão cru e real. Arrepiei.
Bjs!
Texto lindo!
Um beijo Flá!
Fã número 1! hhahah
O sonho por si só já foi complexo, mas o final do texto foi mais ainda. Essa coisa louca de pertencer e não pertencer acaba deixando a gente meio maluca mesmo... adorei.