fotografia
tinha medo de muita coisa na vida, mas naquele momento percebeu que nada a aterrorizava mais do que ele.
ele, com todo aquele tamanho, sorriso largo e cabelo bagunçado, sentado na mesa da cozinha, apresentando-a para a empregada como a "amiga mais especial do universo". lembrou-se naquele instante, ao sentir o coração bater feito britadeira, porque havia adiado tanto o tal encontro. lembrou-se da adolescência, dos beijos trocados com pressa debaixo da escada, da corrente de prata que usava, do uniforme vermelho. "ela não gosta de coca, você pode trazer aquele guaraná, naná? obrigada!" e a voz grave, sempre muito grave, os dentes brancos. tentou prestar atenção no prato que ia na mesa, um yakissoba feito pela própria naná, uma especialidade. o espiou com o canto do olho, vendo-o deliciar-se logo na primeira garfada. suspirou sem querer, atraindo a atenção dele, e despistou dizendo "isso que é yakissoba". mas na verdade pensava consigo mesma, ai meu pai do céu, o que é que eu tô fazendo aqui, onde eu tava com a minha cabeça, ele é todo tão perfeito de doer, como é que eu não me lembrava disso? ela lembrava, mais ainda: não se esquecia. que diabo é a memória as vezes, não podia pensar nele sem pensar no que havia sido há dez, quinze anos. quem vive de passado é museu, vivia dizendo. naquele instante estava embalsamada. a-tor-do-a-da. quando ele deixou os guardanapos caírem todos no chão e depois ao deixar o garfo escapulir sabe-se lá como por cima da mesa, desconfiou que nele também ia algum medo. passado, futuro? vai saber. e viu-se dali há um ano de casório marcado, o vestido de renda branco, as flores vermelhas da igreja. "...vou te levar dia desses naquela temakeria que eu te falei. tem o melhor temaki do mundo..." a voz ao fundo, quase música clássica. tudo isso porque o que mais dava medo era o presente. ele ali, parado na sua frente, a camiseta suja com os respingos da comida, o sorriso largo e branco. bigode de coca-cola.
queria ter uma máquina no bolso da bolsa. pra filmar tudo aquilo. fazer fotografia.
Comentários
Voce já tem um album de fotografias com esse texto flá.
Adorei a tua escrita!
Bjus, querida!
Podemos até fotografar, mas o lance mais perfeito do acontecimento ficará na memória.
Seus textos são sempre lindos.
Poxa, valeu pelos suspiros de hoje!
*_*
Linda!
Beijo!
=*
Beijo!
Faça fotografias.
E o que é esse texto? É uma doida varrida de amor.
Minha filha, você é uma escritora que causa rápidos batimentos cardíacos. Li freneticamente e imaginei tudo, com cores e formas, na mente. E pior: sentimentos!
E, pela dica do título, eu já estava planejando fotografar aquele belo rapaz, quando você disse que também queria.
A m e i demais! <3
Um beijo enorme!