ciranda de fogo
Em algum canto do mundo – ou em todos eles – crianças brincam. Neste canto específico, do lado de cá da América, Pedros, Marias, Joãos e Claras se divertem numa ciranda de um lado para o outro. A cena surpreende porque tem um quê de rara uma vez que ultimamente as crianças continuam brincando, mas não mais de roda – infância mesmo se encontra no videogame, nos celulares e tablets.
Enquanto Pedro puxa o coro (“Como pode um peixe vivo viver fora da água fria”) em alto e bom som, uma das Marias se concentra no balanço do vestido que roda com força e Clara tem as bochechas vermelhas. O menino João que tem os pés descalços, deixa escorrer várias lágrimas de suor nos cantos da testa. Fico fascinada com a cena. Há quanto tempo não vejo uma coisa dessas? Um grupo de crianças brincando? Outro dia visitei uma escola e na hora do intervalo os meninos tinham um jogo eletrônico de mão – mal olhavam entre si. Cada vez mais as brincadeiras são sozinhas. A infância não se faz mais em conjunto.
A outra Maria para a roda e pede alto: “Que tal agora a gente cantar aquela do Lencinho na Mão, vamos?” Os outros concordam com a cabeça e Clara ajeita uma das tranças sem muito interesse, não por vaidade, mas sim por conforto, para tirar os fios de cabelo que insistem em lhe cair nos olhos. E a roda recomeça. De um lado para o outro. Tenho a impressão que estou presenciando um momento histórico. A última brincadeira de roda das Américas. As crianças não percebem, penso eu, mas estão correndo um risco tremendo. É como se no centro daquela roda tivesse um fogo enorme, poderoso, pronto para consumi-las com sua força grandiosa e roubá-las dessa infância tão boa, tão primorosa.
Me agarro àqueles segundos de graça enquanto escuto o coro “Moça bonita do meu coração” e penso, quase em prece: Tomara que eu esteja errada.
Comentários
Ótimo texto!
Um beijo.
:*
Beijão.
obrigada pela visita,abraço meu !
um bj!