Sem reservas

Demorei para dormir essa noite. Fiquei muito tempo entretida com o jornal do dia contando as desgraças espalhadas pelo mundo, e depois, pensando nelas não conseguia fechar os olhos sem desenhar as cenas na minha mente. Mas quando dormi, ao contrário do que eu esperava, tive uma noite tranquila. Aqueles sonos onde as horas rendem e a gente se sente completamente recomposta no dia seguinte. Mesmo tendo dormido muito tarde, acordei cedo, e mais uma vez ao contrário do que eu esperava, levantei bem, feliz.
Decidi sair para andar, dar uma caminhada pelo meu bairro agitado. Por que não? O sol poderia não estar ali no céu, mas o tempo estava agradável, e paulista é assim mesmo, reclama do calor, reclama do frio, e quando o tempo fica fresco espera a chuva. Por via das dúvidas, peguei meu guarda chuva e saí.
No caminho, os carros iam e vinham e tive que colocar o volume do meu mp3 no máximo para que as buzinas não me incomodassem. Começou a chover e me lembrei que detestava guarda chuva. Continuei a caminhada sem ele. Descobri uma música que eu gostava muito, perdida entre minhas escolhidas e resolvi decorá-la. Escutei incansavelmente, várias vezes, até que pudesse cantar todos os versos. E cantei. Alto. Andando nas ruas de São Paulo. As pessoas me olhavam, mas eu não me importava. Decorar uma música que sempre quis cantar, cantá-la entre as buzinas paulistanas debaixo da chuva. Por que não?
Minhas pernas se cansaram e decidi voltar para casa. Já ia entrando quando vi D. Carmela, entrando no portão ao lado. Ela tinha os cabelos brancos e decidi conversar com ela, ir além do bom dia- boa tarde - boa noite trivial. Por que não? Logo depois de perguntar como estava sendo o seu dia ela riu, e disse que estava bem, que tinha dado sua caminhada. Fiquei surpresa por saber que ela andava todos os dias. Começamos a conversar ali mesmo no portão, fiquei sabendo que seu neto entrou na faculdade, que sua cachorra tinha dado cria, que cancelou uma viagem para Santa Catarina, o nome de seus pais, e que jogava tranca muito bem. Ela acabou dizendo que ia fazer um macarrão que sua tia havia lhe ensinado quando tinha me idade, e me perguntou se eu não queria acompanhá-la. Decidi buscar os ingredientes e fazer lá em casa, aprender também. Coloquei um CD de funk e a fiz dançar um pouco, ela riu, balançando os poucos cachos brancos do cabelo e levando a mão a boca escondendo a risada quando prestava atenção as letras. Almoçamos assistindo Friends, na sala, com almofada no colo, e sem babador. Combinamos de fazer o mesmo todas sextas feiras. Por que não?
~ Totalmente baseado na crônica de Marcelo Rubens Paiva - Por que não? Publicada hoje, 06 de dezembro de 2008 no Caderno Dois. Uma das melhores da minha vida.

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