a magia

_ Abracadabra! Sinsalabim! Alakazam!

O menino de pele branca, sardas e óculos de aro grosso repetia sem sucesso as três palavras, com as duas mãozinhas igualmente sardentas se movendo para cima e para baixo enquanto sua irmãzinha o olhava profundamente, tendo os olhos verdes marejados desolados:

_ Você sabe que ele não acordar, não sabe? - ela perguntou, enquanto tinha a mão pousada em seu braço. - Seu esforço está sendo em vão. Você é um excelente mágico, mas para certas coisas, a mágica não funciona. 

O menino balançou os ombros e sentou-se na grama, os olhos ainda no pequeno cachorrinho, mas as mãos agora ocupadas em arrancar folha por folha do chão. 

_ Acho que não sou um bom mágico ainda. Tenho muito que aprender. - disse em voz baixa, enquanto uma lágrima escorria vagarosamente pelo seu rosto até desembocar no canto de sua boca. O menino pareceu não perceber.

_ Acredita em mim, nem o melhor mágico do mundo conseguiria fazer com que ele voltasse a correr por este jardim. - a irmã acabou por sentar-se ao seu lado e passou um braço pelo ombro do irmão.

_ A mamãe vai ficar arrasada...

_ Você está arrasado! - a menina limpou uma de suas lágrimas - Eu estou arrasada e a maioria das pessoas do mundo que o conheciam também vão ficar. Especialmente a mamãe. Ele foi um bom cachorro. Um cachorro feliz! Apesar do péssimo hálito, tenho que dizer.

O menino arregalou os olhos, indignado:

_ Não fale assim dele! Que coisa feia! Falar assim dos mortos! E ainda na frente deles! 

_ Acho melhor do que falar mal dos vivos - ela replicou. Depois, vendo que o irmão não a entendera e especialmente o sofrimento nos olhos daquela criança ainda menor que ela, assumiu seu papel de primogênita e tentou se redimir. - Ele vai ficar bem. Veja bem, ele já está melhor que nós. 

O irmão parou de arrancar as folhas da grama e de fitar o cachorro, olhando para a irmã. Aquelas palavras o interessavam. A irmã percebeu e assim, continuou:

_ Sim, ele está bem. Ainda melhor que nós. Neste exato momento ele deve estar no céu. Um Céu só pra cachorros, pulando de nuvem em nuvem e achando graça da sua rapidez. 

_ Um céu só com cachorros? Que triste... pensei que ele pudesse estar com o vovô. Além disso, ele nem gostava tanto assim de outros cachorros. 

_ Ah, mas avós são permitidos no céu dos cães, sabia? - a irmã, apressou-se em responder - Assim como cães são permitidos no céu dos seres humanos. Eles podem se visitar, quando quiserem. 

_ Tem certeza? - o menino perguntou, enquanto olhava mais uma vez de relance para o cachorro, para então olhar para irmã, os olhos cheios de expectativa, ainda maiores por trás das lentes.

_ Absoluta! - a menina não titubeou em responder, tendo nos olhos a certeza dos adultos. 

E foi ali que ela deixou para trás um pedaço da sua infância. 


Comentários

Larissa Fonseca disse…
Ai, caramba, que coisa mais linda...! E o mais legal é que todos nós somos esses momentos decisivos. Esses pedaços deixados para trás que, contudo, ainda estão na gente.

p.s: muito, muuuuuito obrigada pelo comentário maravilhoso deixado em meu blog! Ganhei meu dia quando o vi ♥
Yuu disse…
Que texto mais emocionante! :( É vergonhoso dizer que tive de me forçar a lembrar do céu dos cachorros quando eu perdi o meu quando tinha 19 anos? É sempre mais reconfortante pensar em coisas assim nesses momentos!

Beijinhos, Flá. Feliz Ano Novo! :*
Alessandra Rocha disse…
FLAVINHA QUE SAUDADE DOCE <3
e que texto lindo! Fiquei lendo vários posts mais antiguinhos seus e sou apaixonada pelo seu jeito de escrever, é tão genuíno e sincero que eu poderia até ler sua lista de supermercado!

Como faz tempo que a gnete não se encontra - pra ser sincera, venho evitando o Jd. São Paulo rs - vou deixar aqui meu desejo de um 2016 lindo pra você! Cheio de amor, alegria, coisas doces e muita saúde!

Te amo <3 saudade!

beijo!
Anônimo disse…
que fofura de história! me faz lembrar das minhas irmãs, que são mais novas. e vc escolheu um ótimo jeito de falar sobre como a gente eventualmente cresce :)

mudei um tiquin: http://semfloreio.blogspot.com

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