o farol

o farol abriu e ela parou antes da faixa, ainda na calçada, esperando os carros passarem. 

o vento vinha suave e frio, como de costume na avenida paulista e insistia em levantar os seus cabelos, como se brincasse com eles. tentou colocá-los de volta atrás da orelha duas vezes até que desistiu. lembrou-se de como sempre achou bonito esse gesto entre as pessoas, a mãe ajeitando o cabelo da filha, a irmã arrumando o cabelo da outra, um amante apaixonado fazendo o mesmo com a mulher desejada. queria um amante apaixonado agora. estava sozinha há tanto tempo que quase se esquecia de como era ter o conforto de uma boa companhia. esperava um homem certo, um homem alto, com alguma barba e envolvimento com filmes. podia ser fotógrafo, podia ser amante de cinema. mas tinha que ter algum conhecimento, usar a mala transpassada e saber falar sobre almodovar, tarantino, por que não spielberg? passar as tardes discutindo caetano, ney, cazuza, beatles e queen. seria tão bom se fosse fã do queen! sempre quis dançar num quarto escuro, à dois, "don't stop me now". pulando que nem loucos, cantando em gritos. podia ser num carro também, à toda velocidade, numa estrada ensolarada ou simplesmente negra. os dois, a música e a cantoria. sempre quis tanto. enquanto não acontecia fazia tudo sozinha. imaginava que talvez ele pudesse tocar algum instrumento, ou simplesmente apreciá-los, reconhecer de longe uma boa música e apreciar uma boa comida. ele poderia usar camisetas flaneladas e xadrez. sempre gostou tanto! sorriso branco, calça preta, barba e camisa xadrez. riu sozinha. enquanto sentiu a multidão esperando o farol aumentando. que besteira, imaginar um homem assim. vai ver é por isso que ele nunca chegava, eram tantos critérios, ela o tinha tão em mente que era quase como se tivesse inventado um grande amor que não existia. mas não conseguia deixar de esperar por ele, e assim dispensava o musculoso da academia, o desantenado do trabalho. burra. era por isso que estava sozinha. pensava até num perfume! tinha que ser fresco, cheiro de banho, de quem ainda está com a cabeça molhada, cheiro que lembra praia. 
o cheiro que sentia naquele minuto.
saiu da transe em que estava, seguindo o rastro bom do perfume que parava no rapaz do lado. sapatênis e calça preta, calça xadrez vermelha e preta, uma mala de sarja indo para o seu lado esquerdo, barba e cabelos arruivados, olhos de um castanho esverdeado. olhando pra ela, fixos. as pessoas começaram a andar ao seu redor, e sentia os olhares irritados espetando em cada canto de suas costas, mas quase não conseguia desviar o olhar. até que ele, de súbito, pegou na mão dela e ela a tirou logo em seguida por reflexo, num susto. talvez um choque. e atravessou a rua, foi andando. o farol dos pedestres já piscando o vermelho e ela apertando o passo. quando finalmente alcança  a outra calçada, onde ele está? ele existia e estava ali. ele pegou na mão dela, por que foi que ela tirou a mão? queria ter deixado. e se tivesse deixado?

ps: este post nasceu depois que eu li isto aqui.


Comentários

Ana Luísa disse…
Isso aí é tão eu que acabou de ir diretinho pro meu mural no facebook. Que porrada na cara, hein? Quero essa mão. Mas imagino ela tão direitinho, que, óbvio, ela não chega. :(
Camila disse…
Oiii Flá, o recado está aqui
http://chadecalmila.blogspot.com.br/2013/02/atencao.html

Era perguntando aos blogueiros se possuem whats e instagram pra adicionar :)
Bjinhoos
Thay disse…
Ai Flá, pega na minha mão e vamos nos lamuriar no whatsapp! Por onde posso te passar? Ou me add no Facebook, Thayrine Gualberto. <3

E esse texto sou eu, socorro! Você foi descrevendo o cara e eu, aqui, pensando "nossa, como isso é familiar!" Você descreveu meu cara! Tirando talvez as discussões Caetano, Ney e Cazuza, rs. Mas que lindo você escrever tudo isso de quatro frases. Isso que é dom!

=*
Isabel disse…
é lindeza se inspirar, né? acho bem legal. minhas ideias raramente vem de uma fonte só, infelizmente :// adorei!
Carlos disse…
lembrei do cazuza falando sobre as pessoas que "procuram alguém que caiba dentro dos seus sonhos". é bom demais quando se encontra, mas é raro. muito raro.
Deyse Batista disse…
(adoro quando o blogger come meus comentários ¬¬).
Pois bem. Dizia eu que há muito, muito tempo mesmo eu não consigo expor meus sentimentos como você faz, assim, de forma tão sincera e sensível ao mesmo tempo. E também, às vezes, quando eu venho aqui, sinto que nem preciso, porque tuas palavras tem a capacidade de se encaixar na minha vida, sabe? É quase como se eu não precisasse falar nada, como simplesmente te ler já me deixasse satisfeita.
E olhe, a pergunta final foi um tiro no peito.
Beijos.
B disse…
Amei o texto. Envolvente na medida certa, as palavras escolhidas foram sensacionais!
E tenho certeza que todo muito já idealizou alguém e torceu muito, mas muito mesmo pra que encontrasse aquele ser produzido em sonhos.. e nunca se sabe né? vai que um dia desses a gente não solta da mão?
Uma ótima semana
Beijos, b.

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