o mel do fel

ela escutou o som das chaves e fechou os olhos fingindo dormir.

no coração cantava "but baby if I could leave this neighborhood, this town, this world, just to touch you once more". era mais um dos dias que sonhava com ele. era uma mistura tão grande de felicidade e dor que ser perguntava se era isso que sentiam os sadomasoquistas. sonhar com ele era o céu, poder tocá-lo, senti-lo, ver os seus cantos dos olhos tão cheio de rugas, mas era tão dolorido vê-lo partir de novo. acordar e encarar a dura realidade, o cahorro na sala, a televisão ligada e as contas pra pagar. e ele. o segundo. que estava lá plantado na sua vida ávido para lhe dar todo o amor do universo, levando-a ao pedestal mais alto. ela se sentia a pior das mulheres. ouviu-o abrindo a porta do quarto de novo para checar se ainda dormia. fingiu que sim. era uma vaca. uma maldita. uma mulher que perdeu o grande amor da sua vida aos 20 anos e casara com o melhor homem do mundo, mas que não era grata ao que havia recebido. pois sonhava com aquele que tinha ido, que havia a deixado. e mais que isso, desejava, queria que fosse ele quem jogava os molhos de chave em uma manhã fria de domingo enquanto ela fingia dormir na cama.
e assim, pensou, talvez ela não fingiria. talvez fosse ela quem acordaria antes para comprar o pão quente na padaria, levar o bisco pra passear, voltar a tempo de vigiá-lo dormindo. um fio de cabelo lhe incomodou a testa e ela abriu os olhos, cansada antes mesmo de se levantar. talvez ela nem seria tão feliz quanto imaginava, talvez ele não a amaria tanto quanto ela, talvez o céu fosse o seu inferno rotineiro. ainda assim, lembrou mais uma vez dele. nunca o beijara em sonho nenhum. era quase uma provocação. ele a olhava, deixava-se tocar e a tocava e então ia embora. deixando-a assim vazia. sentiu o cheiro de café invadir o quarto. levantou-se da cama, tinha azia, olhou-se derrotada no espelho.

ah! ainda assim. tudo trocaria.

Comentários

Jéssica do Vale disse…
Ah o amor... É um filho da puta,
já cansei de tentar entender.
Tatiana disse…
Flá, essa apego à Dor, a clássica falta do que não se tem... desconfio que seja um mascote do ser humano, não? Todo mundo quer uma dor pra chamar de sua! ;)
Beijin pra ti

PS: vim retribuir a visita e encontrei teu blog cheio de lindas histórias de vida. Parabéns!
Ana Luísa disse…
Tenho aflição desse tipo de dor, daquela do eterno 'poderia ter sido'. Bem dizem que o amor platônico nunca morre, porque nunca saberemos como poderia ter sido, então, no sonho, ficamos apenas com a parte boa, né..
Ah! Esse "poderia ter sido" aflige os amantes desde os primórdios do amor!

p.s.: voltei a postar no http://mudancapontocom.blogspot.com.br

Beijos
Mayra Borges disse…
Vou concordar com a Tatiana "Cada um quer uma dor pra chamar de sua" o ser humano tem mania de insatisfação, nada nunca está bom o bastante e a grama do visinho é sempre mais verde,ou o passado é muito melhor ou o futuro poderá ser muito melhor. Um grande salve a insatisfação.

O texto é ótimo, como todos os textos que você escreve, parabéns moça.

www.eraoutravezamor.blogspot.com
Antônio LaCarne disse…
em plena manhã de terça, ao ler teu texto, percebo o quão belo é a inspiração.

;)
Amanda Souza disse…
Não acho justo estar com uma pessoa gostando de outra. Isso nunca funciona, digo por experiência própria. Tudo bem que o nosso mundo não pode parar por conta de um desamor, mas não é justo que outra pessoa pague por uma desilusão nossa. Será que não basta a gente sofrer, temos que fazer a outra pessoa sofrer também? Enfim, nem sei direito se tem a ver com o teu texto, Fla, mas desabafei. rs.

Beijinhos
Milena M. disse…
Nossa, Flá, que agonia. Esse é um dos meus maiores medos, o do viver carregando um peso. Acho que não conseguiria, jogaria tudo pro alto na primeira vez em que levantasse da cama querendo viver no sonho.
Mas que texto lindo, viu?
Beijo!
Amanda disse…
Sou uma taurina ortodoxa e a chance d'eu trocar o certo pelo incerto é minúscula. Entretanto, não parece certo estar com um cara pelo qual não se é apaixonada. O melhor cara do mundo pode não ser o melhor para ela, né? Então, no fundo, entendo porque ela trocaria.

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