hometown glory


coloco a adele pra cantar no rádio do carro.

"I've been walking in the same way as I did"...tenho um pen drive com 200 músicas conectado mas sou do tipo nostálgica abrir a capinha, saborear as fotos, selecionar as músicas. falaram que ia chover, prometeram que choveria, mas vi algumas gotas tão mixurucas mancharem o vidro do carro que quase parecia suor do sol. uma gota ali, outra aqui, quase nada. faz um calor infernal e estamos em pleno inverno. no carro do lado uma senhora tamborila os dedos no volante e balança a cabeça cantando alguma música. ela tem os olhos fechados. gosto de gente que canta com os olhos fechados, tenho impressão que sentem a vida como eu, ora bebendo aos goles, ora deixando o melhor pedaço para o fim. o farol abre, fecha, abre de novo e eu vou. "I like it in the city when the air is so thick and opaque". mais na frente um caminhão manobra numa lentidão tão profunda que é de tirar qualquer paulistano do sério. eu não. o moço do corsa vermelho velho sim. ele xinga o motorista do caminhão de todos os palavrões possíveis, alguns que eu nem me lembrava existir. na esquina esquerda um pai leva a filha nos ombros enquanto ela se lambuza de sorvete. ela tem o rosto corado e ele parece tão feliz. "I like it in the city when two worlds collide...". tem placa de políticos em cada esquina e eu me pergunto o quanto esse povo gasta em propaganda e não investe em educação, esporte, moradia, saúde. na esquina seguinte uma senhora entrega panfletos de dois candidatos de partidos diferentes. a moça do carro ao lado ri e joga os papéis no lixinho do câmbio ao mesmo tempo que eu. "Shows that we ain't gonna stand shit, shows that we are united...". estaciono o carro no mesmo estacionamento que minha mãe parava quando eu tinha quinze anos e sonhava em tirar carta. lá está o mesmo moço alto de bigode lavando carros. tanto tempo e não sei seu nome. faço o sinal de positivo. paro no carro antes de descer meu coração bate forte, estou tão feliz. é tudo tão meu, este lugar todo, essa rua inteira, o tio do pastel, o segurança. sinto gosto de freegels no canto esquerdo da língua, um casal passa na rua de uniforme e eu me lembro das nossas pulseirinhas, das matanças de aula no banheiro. "Round my hometown, memories are fresh...". entro na escola que sempre estudei com uniforme diferente, avental na bolsa, giz na sacola. as meninas vem correndo chupando bala, mascando chiclete, os cabelos todos despenteados, os lacinhos de lado, os shorts com tênis. 'teacher, de vestido! como você fica linda'. tenho vontade de chorar. felicidade. da aguda, sabe? "Are the wonders of my world, are the wonders of this world..."

Comentários

aline disse…
que delícia!
no começo do ano, eu fazia estágio em uma escola pública aqui e as crianças ficavam felizes quando viam a gente, os estagiários, era um momento bem bonito. eu gostava muito!

e quanto a adele, sem dúvidas, linda e talentosa!
Ana Luísa disse…
Que texto lindo, Flá.. incrível e doce, como só você consegue! Imaginei passarinhos em volta de você de vestido! E como é bom isso de pertencer a algum lugar, desde o tio do Pastel até o gosto da bala na boca...
Beijos, flor!
gabi disse…
Que texto lindo! Tão pálpavel, tão real, poderia ser eu, né? Qualquer um de nós. Você me fez ler a vida, bonita, apesar dos cartazes com propagandas eleitorais, haha.

(Obrigada pelo comentário fofo que me deixou, e por votar também.)

:*
Bruna Araújo disse…
Gostei muito desse texto de verdade. Me senti dentro dele, é como se cada coisa que você escrevesse fosse se montando devagar na minha cabeça.
Arrasou!

PS: Acredito que todos de bem com a vida e feliz consigo mesmo cantam de olhos fechados.
Amanda Souza disse…
Amo essa música da Adele. Na verdade, amo a Adele, sempre choro litros escutando, porque ela realmente toca. Li o post todo no ritmo da músical, rs.

Beijinhos
Marina Melo disse…
Amiga,

Você expressou claramente a felicidade de está sentindo. Pude sentir o gostinho dela!
Você merece! E mais do que isso, esses alunos merecem uma teacher como você!
Saudades.
Bárbara disse…
A teacher mais linda do Neolatino!
Mariana Motta disse…
Como pode fazer do cotidiano uma coisa doce e palpável?
Encantada Flah!! Mas confesso que Adele tem me deixado nos nervos!!

Beijos ;**
Tatiana disse…
A narrativa encanta nos detalhes. a capinha de cd, o suor do sol, o excesso de propaganda eleitoral, o tamborilar dos dedos no volante, o tio do pastel, o sinal de positivo, os lacinhos no cabelo. No final da história a teacher saltita, não?
A vida é mesmo feita de detalhes.. Tem que ter olhos de ver e cabeça de apreciar!

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