cotidiano

na linha verde do metrô às 8h da manhã só se ouvia o barulho do trem andando e a moça de blusa vermelha no celular.

não cheguei a ver seu rosto, por mais que tenha tentado, ela permanecia de costas, segurando um celular cor de rosa e unhas pintadas de vinho. acho que éramos pelo menos umas vinte pessoas só naquele espaço do vagão, completamente lotado. invejei o moço careca de amarelo que estava de frente para ela e acompanhava a conversa de camarote. a menina com piercing ao seu lado nem disfarçava, olhando na cara dura, o pescoço completamente virado. na verdade todos olhavam para ela, ou pelo menos a ouvia. ela estava muito brava e falava muito alto, completamente alterada, um óculos de sol na cabeça (num dia nublado e chuvoso) e uma bolsa de pano marrom. o papo era mais ou menos assim:
"ahhh, dona lúcia, a senhora é tão, mas tããão inocente, nossa! ú! (irônica) e a senhora acreditou nele? ah pelamordeDeus dona lúcia, ou a senhora é muito da burra ou muito inocente, não é possível uma coisa dessa! não, eu não estou xingando a senhora só estou fazendo uma constatação óbvia. dona lúcia o negócio é o seguinte o seu filho não presta. deve ser muito difícil pra senhora aceitar isso, mas no fundo sei que a senhora já sabe. eu precisei de um ano pra perceber isso, agora a senhora, bom ele já tem 28 anos então você já deve ter percebido isso há muito tempo. não, a senhora é que me ouve agora, ele tem 28 anos e não é inválido porcaria nenhuma é simplesmente um folgado que não quer fazer nada da vida. ííiííí dona lúcia nem pra isso ele presta, acredita, a única coisa boa que ele fez foi a minha filha mas ele é tão ignorante que nem isso ele reconhece. nunca pagou um nada e eu vou pro advogado sim senhora. que pensar o que, dona lúcia eu já pensei demais, já relevei demais e eu tô muito é da cansada de ser troxa. (ela apontava o dedo em riste para o nada e o moço careca de amarelo tentou desviar o olhar). agora chega que eu tenho que trabalhar. é dona lúcia, tra-ba-lhar, simples assim. oito horas por dia até de sábado. a senhora devia ensinar o seu filho a conjugar esse verbo, sabia?"

e então desceu na estação trianon. um monte de gente saiu junto e nós, que ficamos no vagão nos entreolhamos, compartilhando um olhar curioso e alguns sorrisinhos e depois voltamos para os nossos pensamentos. nossa mundinho fechado.

Comentários

Paloma Engelke disse…
Vou confessar, mas que fique só entre nós, que eu adoro ouvir a conversa alheia nos meios de transporte. Não é fofoca, mesmo porque não conheço nenhum deles, é curiosidade mesmo. Às vezes a gente tem que se segurar pra não rir. Adorei a história.

Beijoos
aline disse…
eu adoro ouvir conversa dos outros em transportes públicos também... ainda mais aqui em sp... é cada uma...
Gabriela Freitas disse…
Vou confessar, mas que fique só entre nós, que eu adoro ouvir a conversa alheia nos meios de transporte. 2
Sabe Flá, inteligente essa mulher que não sabemos nem quem é, certa ela de lutar pelos direitos da filha.

Saudades daqui, andei sumida, férias, viagens e uma transformação na minha vida...mas estou de volta.
Gostei dessa mini historia. Foi um post bem diferente e observador.
Bruna Araújo disse…
Tbem faço issooo.
A tentação de ficar ouvindo alguém que grita a vida alheia no onibus é grande.
entre-caminhos disse…
Vixe, a mulher estava brava mesmo, em...

N tenho paciência pra quem fala alto em transporte público. Ligo meu iPod na hora.. rs
Lara Mello disse…
Sempre alguém para quebra nosso cotidiano ^^
Fernanda disse…
o bom de ouvir conversas alheias é que sempre nos diverte, de alguma forma.

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