às 8h30 do domingo

sentou-se na padaria e pediu um pão de queijo que chegou depois de alguns minutos, borrachudo.


deu a primeira mordida e lembrou-se de pedir também um café, um café bem forte, o mais forte que tiver, moço. na segunda mordida se assustou ao ver as unhas com esmalte marrom descascado, o dedão sem metade da tinta. que desleixo, pensou. agora me tornei uma daquelas mulheres para quem sempre apontei achando desgraça do cabelo desgrenhado, as unhas mal-cuidadas. dane-se, pensou, e afastou os pensamentos enquanto se forçava a dar mais uma mordida.
então era isso doismiledoze assim bem grande enorme saindo de sua boca e lembrou de quando passou a virada do milênio com os meninos na praia, todos de mãos dadas quando faltava um minuto para dar meia noite, o medo sufocando de que o mundo iria acabar porque assim estava escrito no apocalipse (ou seria uma previsão de nostradamus?) e depois o abrir suave dos olhos, os fogos de artifício, o alívio no peito. e lá se foram doze anos e outras previsões de fim do mundo, todas menos assustadoras do que a realidade, do que a certeza do dia seguinte, do novo, do inesperado.
uma mulher entrou na padaria com dois filhos, talvez gêmeos, uma menina e um menino, felizes e comportados como em comercial de margarina, para logo depois ver o marido sentar-se à mesa, colocando com carinho as mãos nos ombros da esposa. sentiu uma vontade de chorar, mas finalmente o garçom chegou com um café e ela se destraiu mais um pouco. onde tinha colocado a sua vida? onde foram parar todos aqueles sonhos de menina? tinha trinta e dois anos e não tinha mais medo, era só desapontamento com ela mesma. doze anos atrás ela se imaginava com filhos, passando pelo véu e a grinalda, além de um marido feliz e competente. agora estava ali, detestando o emprego, com olheiras que lhe tomavam quase o rosto inteiro e uma amargura que não vinha do café sem açúcar.


deixou R$10 na mesa e foi embora debaixo de uma garoa fina e fria. como ela.

Comentários

Bruna Araújo disse…
Tudo pode mudar depois de um tempo. Não importa qual tempo for, os sonhos e as imaginações sempre podem ser realidades... O tempo passa mais devagar e mais amargo mesmo para aqueles que não entram em ação!

Chique o post!
Mulher Vã disse…
Ninguém merece pão de queijo borrachudo!

Acho que o baixo astral dela é que a fazia sentir-se daquela forma no café, naquela manhã de domingo.
A gente costuma ser assim mesmo, prefere observar o que não temos e que parece fazer outros mais felizes que nós, exigentes, a impressão é que a vida nunca ta boa o suficiente, que sempre falta alguma coisa.
Aí ficamos amargurados.
Como a moça do texto, esquecemos que tudo tem seu lado, sabe.
Ninguem é perfeito.
Filhos as vezes costumam ser umas pestes [se forem gemeos é em dose dupla!]
Maridos nem sempre são compreensivos.
E bom, o cabelo é só lavar e dar uma ajeitada nas unhas.
Por outro lado, todos temos direito de pelo menos de vez em quando ser pano de chão. Mas só de vez em quando!

Aposto que o café estava fresco!! ;)

Beijo e ótimo ano pra voce.

entre-caminhos disse…
Eu queria escrever textos assim, que não fossem totalmente sobre mim e para mim rs
Gostei bastante. Vou escrever um texto sobre 2012 tb pq ele já começou meio trágico... hehe
Gostei muito de como vc construiu as cenas a partir de boas escolhas de palavras.
Adorei também o novo visual do blog!

bjinhos
aline disse…
a frieza interior dói, mas dói tanto que chegou a doer aqui...
Fernanda disse…
Nossa, que lindo conto! Tão real que senti aqui a tristeza dessa mulher. Adorei.
euretrato disse…
E eu quero me lembrar desse texto sempre que eu me esquecer dos meus sonhos..

Um beijo.
Stella Rodrigues disse…
Ri um pouco de dois mil e doze. É ruim quando pensamos na gente em primeiro lugar e acabamos distanciando dos outros, pensar em nos mesmos pode significar uma solidão breve.
Manu disse…
Olha... eu não quero ver o mundo assim, cinza, por estar sozinha.
Eu me basto! E ponto!
Reaaaaaaaaja!
Ana Luísa disse…
AI meu Deus! Que medo de estar com 32 anos sem ter realizado os sonhos!!
Jéssyka disse…
Achei um texto tão gostos de se ler... Adoro aqui, você sabe. Bem, um feliz 2012 atrasado. Beijo!
São mudanças causadas por expectativas e confiança demais. Que triste!

Beijos, beijos ;*
Lara Mello disse…
Acredita que já me sentir assim? E quando tudo estava perdido, minha vida mudou e hoje estou como a família feliz da propaganda..

=**

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